25 outubro 2005

Repercussões internacionais do referendo

Salve, Pessoal! Começam a aparecer as primeiras repercussões, dignas de nota, na imprensa internacional, sobre a vitória do "não" (hurra!) no referendo de domingo passado. Eu vou publicar, primeiro, os artigos do Le Monde e do Le Figaro. As notícias do Times de Londres (do sábado, 22 de outubro) e do New York Times e Washington Post (geradas em Buenos Aires), não merecem tradução.

Os brasileiros rejeitam massivamente a interdição das armas de fogo
LEMONDE.FR | 24.10.05 | 08h57 • Atualizado em 24.10.05 | 09h01

Os brasileiros se manifestaram, por ocasião de um referendo no domingo, contra a proibição da venda de armas de fogo, com uma grande maioria estimando que esta medida seria ineficaz para por fim à violência da qual sofre o país. Mais de 64% dos votantes responderam "não", segundo os resultados preliminares de cerca de 75% dos votos.

O Brasil ocupa a segunda posição no mundo em mortes por tiros, com o macabro registro de 36.000 mortos em 2004. "Nós não perdemos porque os brasileiros gostem de armas. Nós perdemos porque as pessoas não têm confiança no governo e na polícia", reagiu Denis Mizne, do grupo "Sou da Paz" que milita contra a violência.

"EU VI CRIANÇAS FERIDAS POR BALAS"

No decurso dos debates que precederam o referendo, diversas pessoas disseram que temiam que uma proibição as deixasse à mercê dos delinqüentes fortemente armados. "Esse referendo (...) não vai acabar com a violência". predisse, ao votar contra a proibição, Assis Augusto Pires, 60 anos, que mora em um bairro cercado e protegido do Jardim Paulistano. Carlos Eduardo Ferreira, eletricista de 40 anos que mora na favela da Rocinha, no Rio de Janeiro, teatro de uma sangrenta guerra entre quadrilhas, não concorda com essa opinião. "Eu sou favorável à proibição, eu sou pela vida. Eu já vi meninos feridos por balas", explica ele.

Antes do começo da campanha pelo rádio e televisão sobre o referendo, o "sim" apresentava 76% das intenções de voto. Mas, depois do lançamento da campanha, em 1° de outubro, a tendência se inverteu rapidamente. Os grupos favoráveis à proibição acusaram os fabricantes de armas e as associações em favor do porte de armas – tais como a "National Rifle Association" (nota do tradutor: associação americana que defende o porte irrestrito de armas de fogo, de todos os calibres) que acompanhou de perto a votação – de financiar uma grande campanha defendendo a livre circulação de armas e de jogar com os medos da população.

"Eu penso que, para o comum dos mortais, ter uma arma à mão não é uma garantia de segurança. Por isso eu votei 'sim'", declarou o presidente brasileiro, Luiz Inácio Lula da Silva, ao votar. Enquanto isso, os partidários do "sim" reconheceram que a proibição do comércio das armas não seria o suficiente para contolar o problema da violência e que um aumento dos recursos para a segurança pública é necessário. Antonio Rangel, dirigente da "Viva Rio", uma ONG de ponta na campanha pelo "sim", reconheceu a concordância dos pontos de vista com os partidários do "não" acerca da insuficiencia da ação pública contra a violência.


Le Figaro

Os brasileiros querem manter suas armas
Brasil - Dois terços dos eleitores respondem "não" ao referendo, realizado no domingo, sobre a proibição da venda de armas.

L. 0.
[25 de outubro de 2005]

DESDE O ANÚNCIO dos resultados, os militantes da ONG "Sou da Paz" (segue-se, no original, a tradução literal do título da ONG) se desmancharam em lágrimas. Há dois meses, as pesquisas lhes prometiam que uma imensa maioria (80%) dos 122 milhões de eleitores brasileiros sustentaria a proposta do referendo de proibir a venda de armas e munições. Não aconteceu nada disso: no domingo, dois terços da população se pronunciaram contra esse projeto de Lei (sic), não obstante o apoio governamental.

"Foi uma coça, nós perdemos em todos os estados do país e, mesmo entre as mulheres, que são tradicionalmente contrárias à circulação das armas", resumiu Ignacio Cano, professor especilista em questões de segurança na Universidade do Estado do Rio de Janeiro.

A Igreja, as ONG e o Ministro da Justiça acharam suficiente repetir que esta proibição seria um primeiro passo para limitar o número de mortes provocadas pelas armas de fogo - mais de 36.000 no ano passado, 550.000 entre 1979 e 2003 - e, progressivamente, foram perdendo o apoio da sociedade.

O pendão da auto-defesa.

Os partidários do "não" no referendo, financiados pela indústria de armamentos, uma das maiores do mundo (sic), explorou, com sucesso, o pendão da auto-defesa. Com tal Lei (sic), o governo não iria impedir os criminosos de se armarem ilegalmente, mas abandonaria o cidadão a sua triste sorte, sem possibilidade de se proteger. "Uma idéia absurda, porque a maioria das armas compradas pelos cidadãos comuns acaba nas mãos dos criminosos", sublinha Ignacio Cano. Não obstante, o argumento pegou "na mosca", enfatizando a exasperação e o desengano dos brasileiros em face dos problemas da segurança pública. "Este 'não' é um voto de censura a toda a classe política, incapaz de encontrar a menor solução para a violência", prossegue Ignacio Cano, lamentando a ausência de engajamento de políticos de envergadura.

O Presidente Luiz Inacio Lula da Silva certamente insistiu, no domingo, sobre a necessidade de limitar a venda de armas, mas, receoso de sofrer as conseqüências políticas desse "cheque-mate", apressou-se a relembrar que "o povo é soberano". No seio de um governo envenenado (no original, "tétanisé"), somente o Ministro da Justiça, desconhecido do grande público, trabalhou como o bom diabo para a causa do "sim". A principal organização de oposição, o Partido Social Democrata (PSDB), teóricamente a favor do "sim", igualmente brilhou por sua ausência no debate. A começar por José Serra, o Prefeito de São Paulo, o provável adversário de Lula na eleição presidencial de outubro de 2006.

Repercussões nos Estados Unidos

O resultado deste referendo, inédito no mundo, se arrisca a ter conseqüências bém além das fronteiras do Brasil. "Esta reversão de opinião em algumas semanas é uma grande decepção", diz, desolado, Benoît Muracciole, encarregado da Campanha Mundial em favor do desarmamento da Amnesty International. A ONG contava muito com um resultado positivo em um país americano. "Os fabricantes de armas vão se sentir "de barriga cheia" (no original, "requinqués"), em particular nos Estados Unidos", acrescenta ele. No Congresso Americano, esses lobbies estão dando os últimos polimentos em seu último projeto de Lei: proibir aos parentes das vítimas de armas de fogo de processar os comerciantes de armas.


O curioso é que ambos os jornais franceses, pelo tom das notícias, pareciam estar torcendo veladamente pelo "sim" (observe-se que o jornalista do Le Figaro só cita as lamúrias dos derrotados e o sugestivo subtítulo, no meio da matéria, publicada no Le Monde). Considerando que as submetralhadoras francesas são as armas mais usadas no submundo europeu e que o país também tem uma importante indústria de armamento, como essas lágrimas parecem ser "de crocodilo"!

Aliás, o tom dos artigos do London Times (faça-me o favor! A Inglaterra, pacifista!?) e dos jornais americanos (bem mais comedidos: lá o lobby da indústria de armamentos é bastante poderoso para processar um jornal), é igualmente reprovativo... "Selvagens armados? Claro que não!..."

Que fique bem clara a minha posição sobre o assunto!

Eu não sou a favor da posse e muito menos do porte indiscriminado de armas, tal como era antes do Estatuto do Desarmamento. Pelo contrário, eu acho que a posse e o porte de armas têm que ser severamente vigiados. O que não acarreta que a comercialização legal de armas de fogo deva ser proibida. Eu só lamento que pessoas bem intencionadas, como, sem dúvida, o são o pessoal do "Viva Rio" e do "Sou da Paz" dê tanta importância a desarmar todos os cidadãos, usando um non-sequitur tão primário como "eu não gosto, portanto você não pode".

Desde os 19 anos as armas de fogo passaram a fazer parte de meu dia-a-dia. E eu também já vi os funestos resultados do uso descuidado e irresponsável de armas de fogo (é!... isso acontece dentro dos quartéis, também!...). O mesmo se pode dizer de remédios, substâncias para limpeza doméstica, automóveis... até mesmo de telefones e da Internet.

Mas, como já diziam os romanos: Abusus non tolit usus.


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