07 agosto 2008

Physics News Update n° 868

PHYSICS NEWS UPDATE
O Boletim de Notícias da Física do Instituto Americano de Física, número 868, de 07 de agosto de 2008, por Phillip F. Schewe, James Dawson e Jason S. Bardi.

DA VINCI DECODIFICADO

As camadas das pinturas dos velhos mestres pode, agora, ser mapeada de maneira não-invasiva. A beleza de uma pintura — seu design, seu tema e cores — é a primeira coisa que causa impacto em quem visita um museu. Porém os historiadores da arte querem saber mais do que se pode ver na superfície. Eles querem saber da estratigrafia. Este é o termo científico para a sucessão de camadas que compõem toda uma pintura — inclusive a camada preparatória diretamente sobre a madeira bruta ou tela, um esboço por debaixo, as camadas de tinta existentes por cima e uma possível camada de verniz.

Um novo método de imageamento, tomado por empréstimo daquele da ressonância magnética utilizada nos hospitais, agora permite que este estudo detalhado das camadas profundas nas pinturas seja feito de maneira não-invasiva.

Por que escarafunchar? Por que não ficar na superfície e apreciar a obra de arte pelo que ela é? Porque a decodificação das propriedades dos materiais nas camadas pode estabelecer coisas tais como a idade, a origem e a autenticidade da obra. Por isso, da mesma forma que os geólogos estudam a história das eras passadas da Terra, examinando os extratos em um talude, os curadores têm que sondar as camadas mais profundas de uma pintura, removendo uma pequena amostra, a fim de inspecionar suas camadas, usando microscópios que empregam um feixe de elétrons ou de luz visível.

Será que se pode estudar uma pintura sem esburacar pequenos pedaços da obra de arte? Sim, mediante o emprego de outras técnicas, tais como banhar a superfície da tela com raios-x e observar a luz fluorescente refletida. No entanto, essas técnicas geralmente permitem apenas um mapeamento pouco profundo das camadas do corpo da pintura.

A nova técnica de perfilagem, cujos pioneiros são um grupo de cientistas italianos e alemães, utiliza a ressonância magnética nuclear (nuclear magnetic resonance = NMR), a base do escaneamento da ressonância magnética médica. O processo de NMR funciona em um nível microscópico. Primeiramente, um poderoso magneto ajuda a direcionar todos os átomos de hidrogênio em uma amostra na mesma direção — algo como fazer um milhar de soldados se voltarem para uma bandeira e baterem continência ao mesmo tempo. Então os átomos são expostos a um inofensivo banho de ondas de rádio. Essas ondas obrigam os átomos de hidrogênio a pivotar em seus lugares, como se estivessem fazendo um exercício. Eventualmente, os átomos (ou, mais exatamente, os prótons no núcleo do átomo) reemitem uma onda de rádio.

São essas ondas de rádio emitidas que são detectadas por um sensor nas proximidades. Com o auxílio de um computador, a informação trazida pelas ondas pode ser transformada em um mapa interno das cercanias dos átomos de hidrogênio. No caso do imageamento médico, os átomos de hidrogênio são usualmente encontrados nas moléculas de água existentes no corpo. Pela sutil análise do mapa resultante, um médico pode localizar a posição de um tumor, uma vez que o seu conteúdo de água é ligeiramente diferente dos tecidos saudáveis a seu redor.

No estudo de uma pintura, em comparação, as mesmas técnicas se aplicam na obtenção de informações sobre os agentes aglutinantes usados nas camadas pintadas. A história sabe que esses aglutinantes consistiam de coisas tais como gemas de ovos ou óleos. Conhecer a natureza do agente aglutinante, freqüentemente é o suficiente para distinguir entre uma velha obra de um mestre e uma falsificação artificialmente “envelhecida”.

Uma dos pesquisadores, Federica Presciutti, uma química da Universidade de Perugia, diz que a espessura das camadas na pintura, mesmo na camada mais funda, pode ser estabelecida. E, embora a idade das camadas não possa ser estabelecida com absoluta certeza, é possível dizer quais camadas são mais antigas do que as outras. O processo todo é não-invasivo. Além disso, o magneto usado na nova abordagem é unilateral. Diferentemente dos enormes magnetos usados na ressonância magnética nos hospitais (que, usualmente, envolvem o corpo do paciente, ou, pelo menos, todo um membro), o escâner pode ser levado até bem perto de ― porém sem encostar em ― a pintura. (Veja a foto anexa do dispositivo sendo usado para estudar a pintura “A Madona com a Criança” de Gentile da Fabriano, 1411). [Nota do tradutor: o boletim veio sem o link para a tal foto. Em breve, quando o boletim estiver no site da AIP, eu copio e colo]

O funcionamento do novo escâner de pinturas foi relatado na edição de 21 de julho de Applied Physics Letters.

A ACÚSTICA DOS URSOS POLARES

Os cientistas estão estudando a audição dos ursos polares, enquanto o ambiente acústico no Ártico vai se modificando. Na medida em que o aquecimento global derrete o gelo do Ártico e aumentam as pressões para a exploração de petróleo, os cientistas se preocupam que o aumento de barulho possa interferir com a reprodução dos ursos polares.

Na tundra congelada da borda Norte do Arctic National Wildlife Refuge no Alaska, os solitários ursos polares vivem em um mundo que é tanto extremamente frio, como estranhamente silencioso. Nada do murmúrio das folhas agitadas pela brisa. Nenhum inseto zumbe no ar abaixo de zero. O único som é o sopro da neve varrida pelos ventos e, quando os ventos se acalmam, é um dos lugares mais silenciosos do mundo.

Muitos anos atrás, a bióloga Anne Bowles, que trabalha em San Diego, se perguntou o que poderia acontecer se as calotas de gelo sempre menores e a exploração e perfuração de novos poços de petróleo mudassem a natureza do silencioso “ambiente acústico” dos ursos polares. O impacto do aumento de barulho sobre a maneira com que os ursos polares caçam e seus outros comportamentos pouco conhecidos eram uma preocupação, disse ela. Porém a questão mais crucial era se um aumento no barulho afetaria os hábitos de acasalamento e perturbaria as fêmeas de urso polar em suas tocas. Prudhoe Bay, no Alaska, onde Bowles está focalizando seu trabalho, é uma área onde as fêmeas de urso polar costumam estabelecer suas tocas. Elas levam cinco ou seis meses nas tocas, antes de saírem na primavera, normalmente com um ou dois filhotes.

Que tipo de barulho poderia ser um problema para os ursos? O barulho das atividades humanas poderia molestar os ursos em campo aberto, mas não as fêmeas em suas tocas? Deveria haver um limite de barulho permitido nas vizinhanças dos ursos e qual tipo de barulho, exatamente, seria um problema? “Se você quer diminuir o barulho, primeiro tem que saber o que os ursos podem ouvir”, disse Bowles. “Este é o primeiro passo. É a primeira matéria de "ecologia perturbativa"”.
Assim, Bowles do Instituto Hubbs de Pesquisa do Mar em San Diego, se dispôs a testar a audição dos ursos polares. Dado ao ambiente hostil e aos ursos igualmente hostis, tentar realizar testes de audição nos ursos era claramente impraticável, disse ela. Os ursos polares são provavelmente os maiores carnívoros terrestres, com os machos chegando a pesar 700 kg. Embora as fêmeas sejam muito menores, elas ainda chegam aos 250 kg. E eles são animais espertos, perigosos e imprevisíveis, segundo Bowles.

Bowles começou seus testes de audição no zoológico de San Diego, com duas fêmeas de urso polar, criadas em cativeiro. Para os testes, as ursas foram treinadas a apertar com o focinho um botão (uma "estação"), colocado dentro de uma jaula. Uma nota de uma certa freqüência tocava e, quando a ursa ouvia, movia seu focinho para outra "estação" e era recompensada com comida, relata Bowles.

Antes de começar os testes, as jaulas tinham que ser isoladas contra sons vindos do lado de fora com espessas mantas tecidas com chumbo. Mesmo com o pesado isolamento, no ambiente urbano de San Diego era impossível tornar a jaula silenciosa o suficiente para realizar testes com freqüências extremamente baixas, que poderiam ser uma faixa crítica para a audição dos ursos polares.

“Sons de baixa freqüência são um sinal de poderio e tamanho, de forma que os grandes carnívoros rosnam e resmungam em baixas freqüências para manter seus territórios, se defender e ameaçar”, escreveu recentemente Bowles em um artigo para a Organização Internacional para Ursos Polares que financia parte de seu trabalho. “Sons de baixa freqüência são também importantes porque se propagam por longas distâncias, de forma que animais que percorrem longos caminhos, tais como baleias e elefantes, freqüentemente os usam para se comunicar”. Ela igualmente observou que, normalmente, existe mais barulho ambiental em baixas freqüências, inclusive o barulho produzido por “maquinários feitos por humanos”.

Bowles realizou 4.000 testes de audição, primeiro no zoológico de San Diego e, depois, com dois ursos polares no SeaWorld San Diego. Os limiares de audição foram medidos para 19 freqüências diferentes e os resultados sugerem que a audição nos ursos polares é realmente direcionada para as baixas freqüências. Quão baixas permanece incerto, disse ela, porque foi impossível tornar as instalações dos testes silenciosas o suficiente para realizar testes abaixo do 14 kHz (seres humanos normalmente ouvem até 20 kHz).

“Tanto quanto foi possível medir, eles podem ouvir isso”, declarou Bowles. “Eles ouvem reqüências mais baixas do que os gatos conseguem”. Inversamente, ela também observou que eles não ouvem bem altas freqüências, sendo sua sensibilidade a notas altas muito menor do que a de cães e gatos.

A sensibilidade a sons de baixa freqüência, aparentemente em detrimento das altas freqüências, pode ser apenas um resultado do tamanho, argumenta Bowles. Ursos polares são grandes, tal como as estruturas em seus ouvidos. Em outros mamíferos grandes, tais como cavalos e vacas, o limite superior de quais freqüências os animais podem ouvir, parece ser baseado no tamanho. “Pode ser meramente uma questão de escala”, diz Bowles. Mas a deficiência na audição de altas freqüências pode ser uma questão de adaptação, porque os ursos polares comem principalmente focas, não pequenos roedores que têm guinchos de alta freqüência. Bowles declarou que gostaria de realizar um estudo comparativo com os ursos pardos e negros, que têm base em terra e comem pequenos mamíferos, para ver se a audição desses é sintonizada para freqüências mais altas do que as dos ursos polares.

A preocupação com os ursos polares, diz ela, é que, na medida em que o gelo Ártico derrete, os usos vão se mover para o interior do continente e encontrar a civilização humana, que é barulhenta. “Tal como é com os humanos, há barulhos que se pode e que não se pode suportar, e nós não sabemos quais são esses para os ursos. Nosso trabalho é descobrir o que eles podem tolerar e o que estamos buscando não é uma situação de lucro mútuo, mas de tolerância mútua entre homens e ursos”.

Existe uma enorme pressão política para que a indústria de petróleo possa explorar essas áreas, diz ela, e com as atividades petrolíferas, chegam mais pessoas e aumenta o uso de terras para lazer. Pela experiência que teve na região, Bowles afirmou que os trabalhadores da indústria petrolífera estão tratando bem os ursos e outros animais selvagens. “Você não acreditaria no cuidado que esses caras têm com a vida selvagem”, disse ela. “Eu gostaria que as pessoas nas cidades se comportassem assim”.

Após três anos testando ursos em San Diego, Bowles e sua colaboradora, Megan Owen, uma pesquisadora do setor de Conservação e Pesquisa para Espécies Ameaçadas no zoológico, estão escrevendo diversas publicações científicas, inclusive uma para a Sociedade de Acústica da América, acerca de seus resultados e em busca do que elas esperam que seja a próxima fase de suas pesquisas.

Bowles espera ir, em dezembro ou janeiro, até Prudhoe Bay e construir uma toca de urso polar, e, então, medir o barulho vindo de fora, a partir do lado de dentro. “Precisamos criar uma toca conforme as especificações dos ursos e mantê-la acessível o suficiente para podermos ter veículos nas proximidades, de forma a podermos medir os sons”, declarou ela. “Nós temos que obter informações sobre o que é possível ouvir de dentro da toca, quanto barulho entra na toca. Se eles não puderem ouvir, então isso não é um problema, mas nós temos que realizar essas medições”.

Não vai ter um urso de verdade dentro da toca, porque, como Bowles observou diversas vezes, são animais muito perigosos. Até as ursas de San Diego que cresceram com pessoas em volta, permaneciam carnívoras imprevisíveis. “Na maior parte do tempo elas são gentis e ficam contentes em lhe ver e saber que você lhes trouxe comida”, disse Bowles das ursas. “Aí chega o dia em que você é a comida. Eles são predadores muito oportunistas”.

Para ver as imagens que acompanham esta história, por favor vá para: http://www.aip.org/isns/reports/2008/028.html

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PHYSICS NEWS UPDATE é um resumo de notícias sobre física que aparecem em convenções de física, publicações de física e outras fontes de notícias. É fornecida de graça, como um meio de disseminar informações acerca da física e dos físicos. Por isso, sinta-se à vontade para publicá-la, se quiser, onde outros possam ler, desde que conceda o crédito ao AIP (American Institute of Physics = Instituto Americano de Física). O boletim Physics News Update é publicado, mais ou menos, uma vez por semana.

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Como divulgado no numero anterior, este boletim é traduzido por um curioso, com um domínio apenas razoável de inglês e menos ainda de física. Correções são bem-vindas.

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